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Reoneração da folha de pagamento entra em vigor e gera incertezas

A lei que determina a reoneração da folha de pagamento e põe fim, para diversos setores, à Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) começou a valer no início deste mês. As mudanças foram promovidas pela Lei nº 13.670, de 30 de maio de 2018, conhecida como “Lei da Reoneração da Folha de Pagamento”.

A entrada em vigor da alteração na forma de recolhimento da contribuição previdenciária teve de ocorrer 90 dias após a promulgação do instrumento, em razão da anterioridade nonagesimal. Essa medida modificou a Lei nº 12.546, de 2011, passando a prever limite temporal para a sistemática da CPRB, que se encerrará em 31 de dezembro de 2020, excluindo várias atividades produtivas da modalidade de contribuição sobre a receita bruta e mantendo algumas, em certos casos, com alteração de alíquotas. Residualmente, a lei também incluiu na sistemática a fabricação de alguns produtos antes não contemplados.

A Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.812, de julho de 2018, foi a responsável por adequar a IN RFB nº 1.436, de 2013, que dispõe sobre a CPRB. Todas as modificações passaram a produzir efeitos a partir de 1 de setembro, conforme cláusula de vigência legal.

Com meta de déficit primário de R$ 159 bilhões neste ano e com um teto de gastos pelas próximas duas décadas, o governo teria melhores condições de sanear as contas públicas, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), concedendo menos incentivos para determinados setores da economia. O relatório do TCU das contas do governo em 2017, aprovadas com ressalvas, revelou que as renúncias fiscais somaram R$ 354,7 bilhões no ano passado.

A reoneração da folha de pagamentos foi aprovada em meio à paralisação dos caminhoneiros, no fim de maio. O aumento de arrecadação foi usado como parte da compensação necessária para subsidiar o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel – uma das medidas do governo para encerrar a greve.

No total, R$ 4,01 bilhões de desonerações foram revertidos da seguinte forma: R$ 2,27 bilhões da redução do Reintegra (programa de apoio a exportadores), R$ 830 milhões com a reoneração da folha de pagamentos, R$ 740 milhões com o aumento de imposto sobre preparados para a elaboração de refrigerantes e R$ 170 milhões com a revogação do regime especial de produtos destinados à indústria petroquímica.

Genericamente, os setores reonerados serão o hoteleiro, de comércio varejista, transporte aéreo, marítimo e ferroviário e uma série de setores da indústria. Conforme o sócio do escritório Andrade Maia, Lucas da Rocha Poggetti, “dados da Receita Federal apontam que a maior fonte de arrecadação hoje em dia parte das contribuições”. Para o advogado, com certeza o governo poderá ter retornos já este ano, em apenas três meses de alteração, daí a disposição em encarar as críticas oriundas do empresariado, principalmente da indústria.

Basicamente, a Lei da Reoneração da Folha prevê que as empresas voltem a contribuir com 20% sobre a folha de pagamento para a previdência, em lugar de recolher um percentual que varia de 1% a 4,5% sobre a receita bruta. Contudo, a partir de 1 de janeiro de 2021 a desoneração da folha deixará de existir. Isto, é claro, se não houver mais uma alteração na legislação.

Até o início deste mês, 56 setores possuem o benefício. Agora, apenas 17 setores poderão continuar optando pela desoneração, dentre eles os setores de calçados, tecnologia da informação (TI), tecnologia da informação e comunicação (TIC), call center, têxtil, construção civil, transportes rodoviários e metroferroviário e comunicação.

Foram excluídos da desoneração da folha de pagamento aproximadamente 50% dos setores da economia em uma ação que, conforme especialistas, terá grande impacto dessas empresas.

Para as empresas a notícia não é nada positiva, pois representará em um aumento dos custos tributários, o que faz com que o ambiente para investimento no País se torne ainda mais desinteressante, defende diretor tributário da Confirp Consultoria Contábil, Welinton Mota. “O que se observa é que o governo necessita recuperar receitas e assim estabelece medidas como essa que pode até mesmo ocasionar demissões”, alerta Mota.

A desoneração da folha de pagamento está mantida para 17 setores:
– Calçados
– Call center
– Comunicação
– Confecção/vestuário
– Construção civil
– Empresas de construção e obras de infraestrutura
– Couro
– Fabricação de veículos e carrocerias
– Máquinas e equipamentos
– Proteína animal
– Têxtil
– Tecnologia da informação (TI)
– Tecnologia de comunicação
– Projeto de circuitos integrados
– Transporte metroferroviário de passageiros
– Transporte rodoviário coletivo
– Transporte rodoviário de cargas

Mudança gera insegurança jurídica
O tema é tão polêmico que a Justiça começou a tomar decisões que adiam o início da reoneração da folha de pagamento das empresas para janeiro de 2019. Segundo o sócio do escritório Andrade Maia, Lucas da Rocha Poggetti, o argumento mais utilizado nas ações que têm sido movidas para barrar a entrada em vigor da lei este ano é o princípio de que não pode ser alterada a forma de arrecadação durante o ano-calendário.

Já tem três liminares que estão permitindo às empresas de determinados grupos a não adotarem a reoneração em 2018. “Quando você opta por uma forma de recolhimento por contribuição previdenciária, o empresário assume um compromisso irretratável. Eu não posso, por uma decisão do governo, simplesmente desconsiderar essa situação irretratável e a segurança que tinha para essa forma de recolhimento por que o governo está com problema fiscal”, afirmou Poggetti.

A ideia dos pedidos movidos pelas empresas é que a reoneração comece a valer para o ano seguinte, “por que não dá para querer mudar a regra do jogo durante a partida”, brinca o advogado.

Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em São Paulo, considerou que subir os tributos no meio do ano fere a segurança jurídica e, por isso, a legislação só poderia começar a valer em 2019. A medida foi tomada em um caso específico e beneficiou filiados à Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo).

A entidade alegou que as empresas fizeram a opção tributária – sobre a folha ou sobre a receita bruta, o que é vantajoso para quem tem muitos funcionários – no início do ano. Dessa forma, não seria possível para elas, alterar esse recolhimento ao longo do ano fiscal.

“O maior problema da reoneração da folha a partir de setembro é a dificuldade de fazer uma mudança durante o ano fiscal no sistema de pagamento de tributos. Independentemente de custos e prejuízos, iríamos brigar para não ter mudança neste ano”, disse o superintendente da Abimo, Paulo Fraccaro. Ele estima que a reoneração da folha significará um custo adicional de R$ 400 milhões a R$ 500 milhões por ano aos associados da Abimo.

O desembargador Luiz Alberto Souza Ribeiro concordou com os argumentos e suspendeu a exigibilidade da contribuição sobre a folha de salários a partir de 1 de setembro. Com isso, o recolhimento será feito conforme a opção adotada no início de 2018. Segundo o desembargador, mudar as regras no meio do ano “atenta contra a segurança jurídica” e viola, também, “a boa-fé objetiva do contribuinte, que, na crença da irretratabilidade da escolha, planejou suas atividades econômicas frente ao ônus tributário esperado.”

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que representa o governo nesses casos, começou a mapear nacionalmente situações semelhantes. De acordo com o órgão, os processos especificamente relacionados à lei estão começando a ser ajuizados, considerando que a medida valerá a partir de setembro. Sobre o caso da Abimo, a PGFN informou estar “avaliando as medidas judiciais mais adequadas”.

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel classifica a discussão sobre qual o momento da entrada em vigor da reoneração “controversa” e acredita que o assunto irá parar no Supremo Tribunal Federal (STF) – já que haverá empresas do mesmo setor pagando impostos diferentes. A controvérsia, segundo ele, é se, nesse caso, caberia o princípio da noventena (prazo de 90 dias para o aumento de tributo) ou o da anualidade (com efeitos no ano seguinte à aprovação da norma).

Entidades vêm se posicionando contrárias à decisão
Além daquelas entidades representativas que já ingressaram com ações judiciais, outras organizações diretamente atingidas pela Lei da Reoneração Fiscal vêm se posicionando contrárias à medida do governo.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) considera a reoneração da folha de pagamentos que está sendo proposta pelo governo um equívoco. Segundo o presidente da Fiesp e do Ciesp, Paulo Skaf, “esta medida reduzirá a competitividade e aumentará o custo da mão de obra de setores importantes na geração de emprego, tais como têxtil, confecção, máquinas e equipamentos, mobiliário, calçados e outros ligados à indústria, prejudicando os já frágeis crescimentos da atividade econômica e do emprego”.

Em alguns casos, conforme uma das mais importantes entidades representativas do setor industrial e a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o resultado poderá ser perdas de postos de trabalho. O pacote criado pelo governo federal para colocar fim à paralisação dos caminhoneiros pode trazer prejuízo à produtividade das empresas e aumentar o custo de mão de obra, avisa a associação através de nota.

A Abinee estuda medidas judiciais para reverter a reoneração da folha de pagamentos e a redução da alíquota do Reintegra, definidos pelo governo federal como parte das negociações para pôr fim à greve dos caminhoneiros. “A opção das empresas pela desoneração da folha, feita em janeiro de 2018, tem validade durante todo o ano. Portanto, não poderia ser objeto de mudança antes desse prazo, uma vez que as empresas basearam seu planejamento fiscal contando que estariam desoneradas até o fim do ano, pelo menos”, destaca a Abinee.

O presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), Alexandre Sampaio, também se manifestou contrário ao que considera uma decisão equivocada que pode provocar cerca de 20 mil demissões, inicialmente, no setor hoteleiro. “Nós somos um setor que emprega por excelência. O pagamento da folha salarial corresponde a algo entre 30% e 35% dos custos dos hotéis”, ponderou Sampaio.

Segundo posicionamento da FBHA em seu site, a hotelaria passa atualmente por uma situação muito difícil, determinada por questões como a queda do poder aquisitivo, a diminuição da atividade econômica e a concorrência predatória com as plataformas digitais de hospedagem, que levam a uma queda no faturamento das empresas do setor. “Reonerar um setor em razão de problema enfrentado por outro setor é equivocado e pode acarretar diferente do que o governo pensa”, sustentou o representante da FBHA.

Contudo, o advogado e sócio do escritório Andrade Maia, Lucas da Rocha Poggetti, indica que aqueles setores incluídos na lista da reoneração a partir de setembro devem realizar o pagamento da contribuição com base na folha de pagamento para evitarem futuras sanções.

Mesmo quem estiver discutindo judicialmente a mudança precisa se resguardar. “Porém, é claro que essa é uma decisão gerencial das empresas. Eu, como advogado, sempre vou instruir que paguem através do meio correto, mas as organizações devem avaliar quais os impactos imediatos da alteração na forma de recolhimento e como andam as ações”, enfatiza Poggetti.

Fonte: Jornal do Comércio

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