Por sete votos contra quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ontem que a terceirização irrestrita, ou seja, para todas as funções de uma empresa, é lícita e constitucional.
Os ministros decidiram que empresas podem contratar trabalhadores terceirizados para desempenhar qualquer função, inclusive as chamadas atividades-fim, que são as principais.
Mesmo com a decisão, juristas afirmam que é preciso cautela dos empresários, já que eles ainda terão de observar requisitos para que não seja configurado o vínculo empregatício. Dessa forma, continua não podendo haver, por exemplo, subordinação direta entre a empresa que contratou o serviço e os empregados da empresa contratada.
A questão foi analisada por meio de duas ações apresentadas à Corte antes das alterações legislativas de 2017, que autorizam a terceirização de todas as atividades.
Na quinta sessão dedicada ao tema, votaram os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia. Em seu voto, o decano destacou que a importância da possibilidade de terceirização irrestrita está no poder da medida “manter e ampliar postos de trabalho.”
A ministra Cármen Lúcia também defendeu que não há precarização na terceirização de todas as funções. “A terceirização não viola por si a dignidade do trabalho.”
Barroso e Fux, que votaram na semana passada, são os relatores das duas ações analisadas pela Corte. Uma delas, por ter repercussão geral, irá destravar cerca de 4 mil processos trabalhistas que aguardavam a palavra do STF.
As ações em pauta no órgão contestavam decisões da Justiça do Trabalho que vedam a terceirização de atividade-fim, baseadas na súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Antes da Lei da Terceirização e da reforma trabalhista, a súmula era a única orientação na Justiça do Trabalho. Contudo, mesmo após as inovações de 2017, tribunais continuaram decidindo pela restrição da terceirização, com base no texto do TST.
De acordo com especialistas, a palavra do STF deve servir para uniformizar a questão na Justiça.
“A decisão traz maior segurança jurídica”
“A decisão do STF traz maior segurança jurídica. Embora já houvesse a permissão legal para a terceirização em atividade fim, ainda existia receio de que os tribunais considerassem essa autorização inconstitucional. Além disso, muitas vezes, havia dificuldade em definir uma atividade como meio ou fim da empresa, criando uma zona cinzenta, em que era possível encontrar distintas decisões. Superada a questão da segurança jurídica, a tendência é que, a médio prazo, as contratações de terceirizados aumentem e as empresas se sintam mais confortáveis. Embora exista ainda certo temor de que a terceirização irrestrita torne condições de trabalho mais penosas, a lei oferece mecanismos para proteger o trabalhador e ressalta-se o papel dos sindicatos para fiscalizar as condições de trabalho.”
Marcelo Mascaro Nascimento, advogado trabalhista, de São Paulo
“Encerra uma antiga discussão do tema”
“Essa decisão encerra uma antiga celeuma a respeito do tema da terceirização, que sempre encontrou resistência na Justiça do Trabalho. O julgamento a favor da constitucionalidade possibilita às empresas terceirizar, inclusive, a atividade-fim, contrariando o que estabelece a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, segundo a qual a terceirização estaria restrita às chamadas atividades-meio. A decisão confere maior segurança jurídica às empresas, eis que era de difícil conceituação, tanto sob o ponto de vista jurídico, quanto no âmbito econômico e administrativo, o que seria atividade-fim e atividade-meio. Porém, ela não autoriza a mera locação de mão de obra, ou seja, a contratação de trabalhadores, com subordinação e pessoalidade, por meio de uma empresa interposta, prática que continuará sendo considerada ilícita.”
Ana Gabriela Primon, advogada trabalhista, de São Paulo
“Lei não deixou de proteger empregado”
“Apesar da possibilidade de terceirizar a atividade-fim, a lei não deixou de proteger o empregado e manteve a responsabilidade subsidiária das empresas tomadoras de serviços quanto aos débitos trabalhistas e fiscais do período contratado, ou seja, havendo débito não quitado pela empresa prestadora de serviço, a contratante será responsabilizada. A decisão do STF trará, portanto, a segurança jurídica tão esperada pelos empresários quanto ao tema. Entendemos que não haverá prejuízo ao trabalhador. Ao contrário, considerando que terão seus direitos trabalhistas e previdenciários garantidos tanto pelo empregador como pela empresa tomadora de serviços. Ainda esperamos que a possibilidade de terceirização traga a criação de novos postos de trabalho. ”
Agata Franceschini, advogada trabalhista, de São Paulo
MOTIVO DO JULGAMENTO
Desde 2017, a legislação já permite a terceirização em todas as atividades de uma empresa. Mas havia um impasse em relação a 4 mil ações anteriores à lei da reforma trabalhista, questionando o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, segundo o qual era proibido terceirizar a atividade-fim. Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal liberou ontem a terceirização de qualquer atividade.
A favor de liberar a terceirização
Luiz Fux – “As leis trabalhistas devem ser observadas. Não haverá a mínima violação aos direitos dos trabalhadores consagrados constitucionalmente. (…) (A terceirização) é uma estratégia garantida pela Constituição de configuração das empresas para fazer frente às exigências dos consumidores, minimizando o risco da atividade. ”
Dias Toffoli – “É óbvio que isso não quer dizer que nós temos de ir à precarização das relações de trabalho, nem à desproteção do trabalhador. Mas é uma realidade econômica e social que perpassa todos os países do mundo, especialmente os industrializados. E o Brasil é um eles. ”
Celso de Mello – “A terceirização, notadamente em face de sua nova e recente regulação normativa, não acarreta a temida precarização social do direito do trabalho, nem expõe trabalhador terceirizado a condições laborais adversas. Pode constituir uma estratégia sofisticada e imprescindível para aumentar a eficiência econômica, promover a competitividade das empresas e para ampliar postos de trabalho. ”
Luís Roberto Barroso – “Direitos básicos não podem ser afastados – piso salarial, segurança no trabalho, férias, fundo de garantia. Tudo isso são direitos fundamentais assegurados e não estão em discussão aqui. A questão é saber se é bom para os negócios que atividades sejam prestadas pelo terceiro. Isso não é direito, isso é economia, não há como fugir desse modelo. O modelo de produção flexível é realidade em todo o mundo. ”
Alexandre de Moraes – “Não há no sistema capitalista, não compete ao Estado determinar um único modo de organização e fluxo de organização, compete ao empreendedor. (…) Todas as atividades dentro do fluxo de produção, todas, absolutamente todas, contribuem para o resultado final. Podemos ter atividades principais e secundárias. Essa classificação é muito mais moderna do que atividade-meio e atividade- fim.”
Gilmar Mendes – “Se a Constituição Federal não impõe um modelo específico de produção, e uma das pedras angulares do sistema é a livre iniciativa, não faz qualquer sentido de manter as amarras de um modelo verticalizado, fordista, na contramão de um modelo global de descentralização. Isolar o Brasil desse contexto global seria condená-lo à segregação econômica numa economia globalizada.”
Cármen Lúcia – “Eu não tenho dúvida de que a precarização do trabalho inviabilizando o pleno emprego contraria a Constituição. O que não me convence é que a terceirização prejudica o trabalho. Mas insisto que todo abuso a direitos, e especialmente quanto a valores do trabalho, tem formas de se conter. ”
Contra
Marco Aurélio Mello – “O mercado de trabalho está mais desequilibrado do que era em 1943, quando da promulgação da CLT e do afastamento da incidência das normas civilistas. Hoje, nós temos escassez de empregos e mão de obra incríveis, com um número indeterminado de pessoas desempregadas.”
Ricardo Lewandowski – “Acompanho integralmente a divergência aberta pelo ministro Edson Fachin e pela ministra Rosa Weber, que nos brindaram com votos que, a meu ver, esgotaram plenamente o assunto e deram resposta satisfatória colocada perante esta Suprema Corte.”
Luiz Edson Fachin – “Julgo inválidas as contratações de mão de obra terceirizada na atividadefim das empresas, especialmente se considerando o que alteração desse cabedal normativo cabe, como efetivamente depois o exercitou, ao poder competente, o Poder Legislativo, debatida a questão com todos os processos envolvidos no processo de modificação estrutural no sistema de relações trabalhistas no campo jurídico, econômico e social.”
Rosa Weber – “Na atual tendência observada pela economia brasileira, a liberalização da terceirização em atividadefim, longe de interferir na curva de emprego, tenderá a nivelar por baixo nosso mercado de trabalho, expandindo a condição de precariedade hoje presente nos 26,4% de postos de trabalho terceirizados para a totalidade dos empregos formais.”
TIRE SUAS DÚVIDAS
A decisão do STF impacta em novas contratações de terceirizados?
O resultadodo julgamento não provoca efeito direto na lei que permite a terceirização, em vigor desde o ano passado. Mas juristas e empresários afirmam que isso pode dar mais segurança jurídica nas contratações, já que muitos temiam novos questionamentos. A decisão do Supremo pode ser um indicativo de como o tribunal poderá se posicionar em outras ações contra a terceirização.
Com a terceirização, as empresas vão poder demitir todos os seus funcionários e contratá-los imediatamente de forma terceirizada?
Não. O advogado trabalhista Carlos Eduardo Amaral de Souza explicou que a reforma trabalhista estipula que não pode haver contratação de empregado como terceirizado imediatamente. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para a mesma empresa como funcionário da empresa prestadora de serviços antes de 18 meses. A legislação também veda a contratação de pessoa jurídica cujos sócios tenham, nos últimos 18 meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado.
Mas a tendência é que as empresas demitam os trabalhadores e contratem terceirizados para todas as atividades?
O advogado trabalhista Rodrigo Baldo de Carvalho, de São Paulo, diz que não é bem assim. A decisão e a legislação liberam empresas de terceirizarem qualquer atividade. No entanto, será preciso cautela, pois os empresários podem enfrentar problemas se for configurado vínculo empregatício. Por exemplo, não pode haver subordinação direta entre a empresa que contratou o serviço e o empregado da empresa contratada. O gestor da empresa deverá se reportar ao gestor da empresa contratada para o serviço.
Será permitida a contratação de pessoas jurídicas para todas as atividades?
O advogado trabalhista Fabrício Siqueira acredita que a contratação de pessoas jurídicas somente será autorizada para profissões regulamentadas ou de categoria diferenciada.
Trabalhadores temem ser demitidos para serem contratados por empresas terceirizadas, com salários menores. Há esse risco?
Há esse risco, segundo o advogado trabalhista Fabrício Siqueira. “Porém , essa prática deve ser coibida pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho. É ilegal, se o tomador de serviço for o mesmo”.
Com a decisão, não haverá mais questionamentos na Justiça?
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, explicou que, até o momento, os juízes estavam focados na classificação das atividades como fim ou meio, mas mudou a discussão. Agora, caberá à Justiça trabalhista analisar se houve precarização.
Fonte: A Tribuna