A Insegurança Jurídica no Cumprimento das Cotas de Aprendizes e Pessoas com Deficiência no Setor de Prestação de Serviços
O cumprimento das cotas legais para contratação de aprendizes (art. 429 da CLT) e pessoas com deficiência (art. 93 da Lei nº 8.213/91) tem gerado significativa insegurança jurídica para as empresas do setor de prestação de serviços. Isso decorre, principalmente, da aplicação rígida das normas por parte da fiscalização, desconsiderando-se as especificidades operacionais desse segmento econômico.
As referidas normas legais obrigam as empresas a contratar aprendizes em número mínimo equivalente a 5% dos trabalhadores, cujas funções demandem formação profissional, e também obrigam empresas com 100 ou mais empregados a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com pessoas com deficiência ou reabilitadas pela Previdência Social.
Entretanto, tais dispositivos não contemplam as peculiaridades do setor de serviços, especialmente no que diz respeito à rotatividade de empregados, à terceirização ampla de mão de obra, à diversidade de atividades (muitas das quais externas ou operacionais, e nas dependências do contratante de serviços), à dificuldade de alocação de aprendizes e PCDs em funções compatíveis.
A jurisprudência trabalhista já reconheceu, em algumas oportunidades, a necessidade de flexibilização no cumprimento dessas cotas, desde que a empresa demonstre diligência na busca ativa por aprendizes e profissionais com deficiência, bem como a adoção de medidas inclusivas. No entanto, o entendimento majoritário dos órgãos fiscalizatórios permanece inflexível, literalista e gerando autuações mesmo em cenários de comprovada inviabilidade prática de cumprimento integral das cotas.
Importante destacar o recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho, no qual se reconheceu a necessidade de considerar a razoabilidade e proporcionalidade na análise do cumprimento das cotas, especialmente quando a empresa comprova a adoção de medidas concretas e contínuas para a inclusão (6º Turma do TST–RR-830-35.2013.09.0195, de 11/02/22). Apesar disso, onde restou afastada a indenização por dano moral coletivo, por entendimento unânime de que não houve prática de ato ilícito empresarial, há uniformidade na aplicação desses princípios por parte das autoridades fiscais do trabalho, o que agrava a insegurança jurídica para as empresas do setor de prestação de serviços.
Vale destacar, ainda, diversas outras decisões jurisprudenciais que reconhecem a complexidade e a necessidade de interpretação razoável da norma, a fim de compatibilizá-la com a realidade de certos setores, em especial o de serviços terceirizados:
TRT da 2ª Região – RO 0002140-94.2013.5.02.0031: Reconheceu a impossibilidade de cumprimento da cota de aprendizagem por empresa de vigilância, ante a incompatibilidade das atividades com a formação profissional exigida pela legislação.
TST – AIRR-1054-60.2015.5.02.0031: Admitiu a flexibilização da cota de aprendizes para empresas cujas atividades-fim não comportam a contratação de menores aprendizes, reconhecendo a viabilidade da contratação indireta por meio de entidades qualificadas.
TRT da 10ª Região – RO 0000143-78.2019.5.10.0014: Decidiu que a exigência de cota de aprendizagem deve observar os princípios da razoabilidade e da efetividade da formação do jovem, especialmente em casos de terceirização com alta rotatividade.
Além disso, é comum que a fiscalização desconsidere aspectos objetivos, como a ausência de profissionais com deficiência disponíveis no mercado local, a inexistência de programas de aprendizagem compatíveis com a função a ser exercida, ou mesmo impedimentos de ordem técnica e de saúde para alocar determinados profissionais em funções específicas.
Essa situação tem levado empresas a sofrer penalidades, mesmo quando há clara demonstração de boa-fé e de empenho institucional no cumprimento das obrigações legais, o que afronta o princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal) e compromete o equilíbrio das relações de trabalho.
Diante disso, urge a necessidade de regulamentação mais precisa e realista por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, com normativas que prevejam hipóteses de flexibilização, critérios objetivos de aferição da possibilidade de cumprimento, entre outras possíveis alternativas.
A segurança jurídica é elemento fundamental para que a inclusão de aprendizes e PCDs ocorra de maneira efetiva, sustentável e compatível com a realidade operacional das empresas. Sem isso, o cumprimento das cotas corre o risco de se transformar em um fardo meramente punitivo, esvaziando o propósito inclusivo da legislação.
Ricardo Garcia
-Empresário
-Presidente do Seac-RJ
-Vice-presidente da Aeps-RJ
-Vice-Presidente da ACRJ
-Diretor Regional da Cebrasse
-Membro da Câmara Brasileira de Serviços da CNC
-Ex-Presidente da Febraf