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Setor público corta contratos e crise atinge prestadores de serviços

O impacto da crise fiscal do setor público sobre a atividade econômica não se manifesta apenas nos investimentos. Diante das restrições de caixa de prefeituras, governos estaduais e da própria União, prestadoras de serviços relatam cortes expressivos nos contratos com entes públicos e atrasos de pagamentos que chegam a mais de um ano. São companhias de setores como limpeza, jardinagem, segurança e alimentação, que empregam milhões de trabalhadores pouco qualificados e que normalmente recebem baixos salários.

Um dos segmentos mais afetados tem sido o de asseio e conservação, que tem 60% do faturamento dependente de contratos com o setor público, conforme os dados da federação que representa 11 mil empresas do ramo em todo o país, a Febrac. “Em municípios de Estados menores, essa participação chega a 90%”, diz Edgar Segato, presidente da entidade.

Em dificuldade, muitas empresas chegaram no ano passado a tomar empréstimos, alienando parte dos bens, para conseguir ficar em dia inclusive com a folha de pagamentos, conta Segato. Nos últimos meses, entretanto, esgotadas as garantias, as instituições financeiras enxugaram o crédito e as companhias têm cada vez mais atrasado os depósitos. “Antes os problemas estavam mais concentrados nos municípios e nos Estados. Agora, a inadimplência é generalizada”, diz.

Em março, mais de mil funcionários terceirizados da Universidade Federal Fluminense (UFF) entraram em greve para cobrar os depósitos atrasados dos salários de fevereiro. Ricardo Garcia, presidente de uma das empresas que prestam serviço de limpeza para a instituição de ensino, a Luso Brasileira, afirma que a média de atraso nos repasses de contratos firmados com entidades ligadas à União é hoje de quatro, cinco meses. A companhia emprega 3 mil funcionários.

Como presidente do sindicato que representa o setor no Rio, o Seac-RJ, Garcia observa que as empresas de limpeza têm cortado em média 15% do total de funcionários e afirma que há um número cada vez maior de companhias com dificuldades para quitar as verbas rescisórias dos trabalhadores desligados.

Esse é o caso da empresa de refeições coletivas Guelli, que dispensou cerca de 400 de 1.100 funcionários que tinha até o ano passado. Com contratos nas três esferas, com prestação de serviços em escolas e presídios, por exemplo, a empresa passa por restrições orçamentárias não só pela falta de pagamentos, mas também pela supressão de contratos firmados com prefeituras e com o governo do Estado do Rio.

O presidente da empresa, Vagner Dantas, ilustra a gravidade da situação com o exemplo recente do contrato com a rede de refeições populares Restaurante Cidadão, do Rio. Após mais de um ano de atraso nos repasses, Dantas negociou com a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos o depósito da parcela de novembro de 2014 e o estabelecimento de cronograma para o pagamento das demais pendências. “Entendemos as dificuldades pelas quais o Estado e as prefeituras estão passando, mas precisamos pagar nossos funcionários e fornecedores.”

A Embrasil Segurança, que possui 5,3 mil funcionários em cinco Estados, tem enfrentado problemas de atraso nos repasses especialmente no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, dois governo estaduais com situação fiscal bastante comprometida e que estão adiando até o depósito de salários de servidores.

Em São Paulo, diz Jeferson Nazario, presidente da Embrasil, o ajuste fiscal resultou em queda expressiva no valor dos contratos com o governo. Para fazer frente à redução dos profissionais de segurança terceirizados, diz o empresário, o Estado tem contratado policiais militares para realizar os serviços em horário de folga. A redução no volume de negócios levou a companhia a demitir 10% do quadro de funcionários da área administrativa para equilibrar o orçamento.

O segmento de segurança como um todo cortou 5,5% dos 700 mil empregos que contabilizava até o ano passado, diz Nazario, que também preside a Federação Nacional de Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist). Entre os 2,5 mil associados, ele calcula, o peso dos contratos públicos no faturamento chega, na média, a 40%.

As obrigações com as prestadoras de serviços, inclusive as fornecedoras de água, energia e telefone, estão na primeira linha de corte dos entes públicos em períodos de ajuste como o atual, pondera o coordenador do Observatório de Informações Municipais, François Bremaeker.

No caso específico dos municípios, a arrecadação está sendo afetada pelos volumes mais modestos dos recursos do fundo de participação – principal fonte de receita para 80% deles, segundo o especialista – e pela forte desaceleração dos repasses da cota-parte do ICMS. “Diante desse cenário, a única saída é cortar despesas, e isso atinge tanto a pessoa jurídica como a física”, diz Bremaeker.

Para não descumprir as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que determina que a despesa com pessoal não ultrapasse 54% da receita corrente líquida, muitos entes expandem os quadros com funcionários terceirizados e cargos comissionados que, sem terem a estabilidade dos servidores, estão entre as primeiras linhas de corte em períodos de crise.

A prefeitura de Betim (MG), que decretou estado de calamidade financeira em março, reduziu em 20% os salários dos funcionários comissionados ainda no ano passado. Após a instauração do comitê do gerenciamento de crise, a administração realizou cortes não lineares de custeio em praticamente todas as secretarias. Serviços como os de limpeza, manutenção preventiva e aluguel de veículos foram os primeiros afetados, segundo o secretário-adjunto de Fazenda, Luiz Paulo Barros. O tempo médio de atraso no pagamento aos prestadores é hoje de 30 dias.

Polo automotivo mineiro e sede do grupo Fiat no Brasil, Betim sentiu o impacto da recessão especialmente na queda do recolhimento do ICMS, tributo responsável por 60% da arrecadação do município. A frustração de receitas total no ano passado foi de R$ 167 milhões, conforme o secretário, R$ 85 milhões apenas da rubrica.

Recentemente, a receita parou de cair, mas o ajuste continua. Para evitar uma despesa de cerca de R$ 200 mil, a prefeitura anunciou na terça-feira que não faria mais parte da rota de revezamento da tocha olímpica. Barros diz que a população não só entendeu, como apoiou a iniciativa. “Até o serviço de limpeza pública foi afetado. A população estranharia se a cidade tivesse mantido o evento.”

Fonte: Valor

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