Em março de 2017 foi promulgada a Lei 13.429, que incluiu na já existente Lei do Trabalho Temporário (6.019/1974) dispositivos sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Foi o marco regulatório do instituto jurídico conhecido como terceirização, até então carente de legislação no Brasil e regulado pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.
O texto promulgado trouxe uma regulamentação superficial e não estabeleceu de forma clara e expressa a possibilidade de se terceirizar a atividade fim de uma empresa, ponto de maior polêmica e discussão antes da edição da lei. A disposição mais importante talvez tenha sido a que estabeleceu a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora pelas obrigações trabalhistas do período da prestação de serviços, afastando assim a possibilidade de responsabilização solidária.
Em razão das lacunas da Lei 13.429/2017 o legislador inseriu na Lei 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, diversas disposições sobre a terceirização, sendo a principal delas estabelecer expressamente que o contratante pode transferir a execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à empresa terceirizada.
A norma é expressa: “Art. 4º-A – Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”.
A reforma trabalhista também estabeleceu que um empregado de uma empresa tomadora de serviço somente pode passar a ser empregado terceirizado dessa mesma empresa após 18 meses da rescisão do seu contrato de trabalho, do mesmo modo que não pode ser contratada como terceirizada a empresa cujos titulares ou sócios tenham, nos 18 meses anteriores à contratação, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se forem aposentados.
Diante disso, muito se questiona no âmbito trabalhista quais benefícios uma empresa pode ter ao terceirizar suas atividades, já que a lei fixou que o tomador responde pelos débitos da contratada, ainda que subsidiariamente, e o valor cobrado por uma empresa terceirizada certamente não pode ser menor que o valor que seria gasto pela própria contratante caso empregasse diretamente o trabalhador, sob pena de não fechar a conta.
A vantagem pode estar no âmbito tributário. Podendo a empresa terceirizar sua atividade fim, será possível a tomada de créditos de PIS/Cofins? Afinal, a relação com a mão de obra contratada não será celetista, mas comercial, entre a tomadora e a prestadora do serviço, pela qual será emitida uma Nota Fiscal contendo um rol de tributos, dentre eles as duas contribuições mencionadas. A resposta está na recente SD – Solução de Divergência COSIT nº 29/2017, da Receita Federal, publicada no DOU em 16/11/2017.
A Lei 13.467 é de março de 2017, anterior à referida SD, de novembro de 2017, e esta afirmou que os gastos da pessoa jurídica na prestação de serviços a terceiros permitem a apuração de crédito da não cumulatividade do PIS/Cofins, na modalidade de aquisição de insumos (inciso II do art. 3º da Lei nº 10.637/02). Registre-se que não foi mencionada nem uma palavra sobre o objeto da terceirização, se das atividades fim ou meio. Não foi feita distinção.
Isso permite concluir que as empresas tomadoras de serviços podem usufruir de um benefício tributário expressivo, equivalente a 9,25% do valor gasto com a terceirização – mesmo nas atividades-fim da empresa. Afinal, mais do que nunca neste país, a aquisição de mão de obra ficou caracterizada apenas como um insumo de produção, perdendo completamente as características de um contrato diferenciado dentre os demais. Logo, assim compreendido no âmbito das relações de trabalho, a análise tributária segue a mesma toada, permitindo o creditamento integral do PIS/Cofins caso a empresa adote o sistema de terceirização, inclusive para sua finalidade principal.
Tal entendimento preenche também exigências jurisprudenciais do Carf, que permite o creditamento quando ocorre aplicação direta dos insumos no produto final – nada mais direto na produção do que a mão de obra aplicada nas atividades-fim da empresa. Portanto, afastada a dúvida normativa pela SD, e cumprido o requisito jurisprudencial estabelecido pelo Carf, só resta às empresas utilizar a permissão concedida pela legislação trabalhista e aproveitar as vantagens tributárias.
Todavia, como o seguro morreu de velho, uma dose de cautela vai bem: sugere-se a adoção do procedimento, mas deve-se socorrer de uma Consulta Tributária ou de uma ação judicial que assegure o direito ao crédito – afinal, no Brasil até o passado é incerto, ainda mais quando os valores envolvidos são expressivos.
Fernando Facury Scaff e Eduardo Brito são, respectivamente, professor de direito financeiro da Faculdade de Direito da USP e sócios do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Pinheiro, Guimarães & Scaff Advogados
Fonte: Valor Econômico