A reforma trabalhista com a possibilidade da flexibilização de relações entre empregador e trabalhador, tão amplamente discutida após a posse do novo presidente Michel Temer, foi um dos temas apresentados pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Douglas Alencar Rodrigues, na palestra “Questões controvertidas de direito individual e coletivo do trabalho”, durante a 25ª edição do Eneac, realizado entre 21 e 25 de setembro, em Salvador, na Bahia.
Ao iniciar a sua apresentação, o ministro elogiou a diversidade de temas discutidos no Encontro, afirmando que a “categoria de asseio tem preocupações que transcendem as regras trabalhistas e que passa também por política, tecnologia e meio ambiente” e ambientou a plateia sobre como as ações coletivas construíram as regras trabalhistas.
“A legislação do trabalho surge muito antes do fim da República Velha. É preciso entender o cenário histórico, político e econômico que o Brasil vivenciou a partir da segunda metade do século XIX, com as ondas imigratórias que trouxeram contingentes expressivos de cidadãos europeus, que se instalaram e trouxeram práticas coletivas de trabalho. Eu costumo sempre afirmar que o direito individual do trabalho é fruto da ação coletiva dos trabalhadores. É a articulação coletiva dos interesses das classes empresarial e profissional que faz produzir a normatização estatal”, explicou.
Com a dívida pública superando R$ 4 trilhões, Rodrigues lembrou que o cenário político atual do país está pautado em três temas que chamam atenção do Judiciário: as reformas trabalhista, previdenciária e tributária. Na área trabalhista, surgem diversas propostas e uma delas, que é de interesse das empresas prestadoras de serviços é a que regulamenta a terceirização. Em seu discurso, Douglas enumerou antigos argumentos de precarização e rotatividade de mão de obra, para expor seu posicionamento acerca da questão.
Sobre jornada de trabalho, o ministro disse que há várias questões que são debatidas hoje no TST, uma delas refere-se ao intervalos para refeições e descanso.
“Há determinadas categorias que se reúnem, fixam e celebram normas coletivas, reduzindo os intervalos de jornada de trabalho para aquém dos padrões já estabelecidos ou mesmo suprimindo. A supressão do intervalo intrajornada tem sido alvo de inúmeras disputas judiciais e reclamações trabalhistas que têm como pano de fundo a qualidade de normas coletivas acordadas com esse conteúdo”, afirmou.
Douglas citou a súmula 437, que prevê a ineficácia de qualquer norma coletiva que implique na redução do nível de intervalos intrajornada nos padrões da CLT.
Quanto ao regime de trabalho 12 x 36, o ministro enfatiza que a Constituição estabelece que a jornada de trabalho não pode ultrapassar as oito horas diárias ou 44 horas semanais e que a CLT prevê a possibilidade da prorrogação de até duas horas nestas diárias.
Mas a jurisprudência admitiu e reconheceu a validade da negociação coletiva que introduziu a jornada 12 por 36. Há atividades que são previstas em lei com esse regime, como a de vigilância.
Outro tema abordado por Douglas Rodrigues foram os turnos de revezamento. Ao citar o Artigo 7, Inciso 13, que estabelece limite de horário de 6 horas para trabalho prestado em turnos ininterruptos de revezamento, o ministro lembrou também que há acordos coletivos que passam por cima do estabelecido. “As categorias se reúnem e estabelecem a ampliação desses limites e a jurisprudência, busca impor limites com a Súmula 423 com limite máximo de oito horas”, afirmou.
O entendimento do TST, segundo o ministro, é que o trabalho prestado em turnos alternados impacta no funcionamento biológico, psíquico e até social do indivíduo. “As normas coletivas insistem em suplantar esse limites, o que gera vários processos trabalhistas”, disse.
JOVENS APRENDIZES E COTA DE DEFICIENTES – O ministro falou também sua interpretação quanto ao cumprimento das cotas de aprendizes e deficientes, que se tornam metas dificilmente atingidas por alguns segmentos, como o de asseio e conservação.
Quanto à cota de aprendizes, o Tribunal Superior do Trabalho já tem um entendimento mais positivo e claro da dificuldade das empresas. Segundo as exigências do Decreto nº 5.598/05 e da CLT, jovens entre 14 e 24 anos podem integrar as empresas que devem manter entre 5 e 15% do seu quadro efetivo para este tipo de público.
“Identificamos quais são os campos de trabalho para esses jovens e chegamos à conclusão na 7ª turma de que o trabalho não poderia para ser exercido em algumas funções que geram riscos aos trabalhador menor, como atividades insalubres ou que exijam a maioridade para dirigir, por exemplo”, explicou.
Ao analisar o caso de uma empresa de transportes, o TST entendeu que os percentuais devem ser identificados e cobrados de acordo com as atividades exercidas pela empresa. “Não tinha noção de que isso acontecia no país inteiro”, citou.
A cota de deficientes, outro assunto muito recorrente na justiça do trabalho, foi também comentada pelo ministro, que reconhece a dificuldade das empresas para encontrar profissionais com esse perfil.
“Essas pessoas são disputadas a preço de ouro no mercado de trabalho e nós tivemos uma análise da matéria no sentido de que se as empresas tentam encontrar esses trabalhadores junto às agências de contratação de mão de obra, sindicatos e INSS e não conseguem, efetivamente elas não podem ser punidas”, constatou.
Douglas anunciou ainda que há uma nova proposta do Ministério Público do Trabalho, que sugere às empresas, tendo em vista a força da responsabilidade social que assumem no setor privado, a realização de programas de formação profissional para trabalhadores deficientes.
NEGOCIAÇÃO COLETIVA – O debate em torno da prevalência das negociações coletivas sobre o Judiciário é, para o ministro, um dos mais importantes que está sendo travado neste momento na Justiça Trabalhista, a partir de julgamento do Supremo Tribunal Federal.
“Nós chegamos em 88 com uma Constituição anunciando a possibilidade da flexibilização do direito do trabalho com a redução de salários e alteração dos parâmetros da jornada. Durante muito tempo se discute qual o poder dos sindicatos na regulação das relações de trabalho e qual a vocação da negociação coletiva, que só existe para ampliar os níveis de proteção já inscritos na legislação estatal ou pode ser utilizada para flexibilizar, reduzir e inovar, contrariando preceitos da CLT?”, indagou Douglas, citando os incisos 6, 13 e 14 do Artigo 7º da Constituição Federal.
Ao falar do posicionamento do TST, o ministro ainda brincou com a plateia: “a impressão que eu tenho é que ninguém gosta da Justiça do Trabalho” e completou: “Na verdade, é sempre muito bom participar de um evento como esse para ouvir, trocar experiências e para que nos entendam também”, disse.
Por fim, o ministro Douglas Rodrigues mostrou-se aberto a entender mais as demandas dos sindicatos e fez uma ressalva às relações de trabalho praticadas hoje.
“Estamos abertos a ouvir e queremos participar de forma responsável de iniciativas que busquem prestigiar os sindicatos no Brasil. Respeitamos muito os sindicatos, empresários e trabalhadores, mas a forma como as relações do trabalho hoje no Brasil estão colocadas, que remontam a esse passado longínquo, precisam ser repensadas. São os senhores e as senhoras protagonistas desse processo histórico de definição das bases de um direito de trabalho que permita a promoção da cidadania nas relações de trabalho”, finalizou.
O diálogo com autoridades responsáveis por ações decisórias em diferente níveis, como o Tribunal Superior de Justiça, serve, do ponto de vista do presidente do Seac-RJ, Ricardo Garcia, como uma possibilidade de promover maior entendimento das demandas do setor. No entanto, ficou demonstrado na palestra que falta ainda abertura por parte dos ministros para a modernização trabalhista.
“Há ainda muitas dificuldades para convencer o Tribunal Superior do Trabalho sobre a necessidade de modernização trabalhista. Eles tomam decisões defendendo sempre o trabalhador e esquecem que sem empresa, não existe empregado. Essa é uma cultura atrasada da legislação trabalhista e dos tribunais do trabalho, e o ministro que aqui esteve hoje provou as posições dele em relação à terceirização de forma ainda muito fechada”, criticou Garcia.
O intervencionismo do Estado na economia é alvo de críticas também por parte do diretor superintendente do Seac-RJ, José de Alencar.
“É uma pena que essa visão do ministro do TST, que representa a alta corte da justiça trabalhista, é um pensamento ainda muito retrógrado e antigo. É óbvio que há pessoas com má conduta em todas as profissões, não só na terceirização, mas do jeito que ele colocou que a terceirização que nós tratamos no Congresso é precarização e só a que a gente sumulou, através da súmula 331 de limpeza e vigilância, é legal, é um absurdo”, comentou.