A introdução do regime de trabalho intermitente no Brasil foi uma das principais novidade da reforma trabalhista sancionada pelo presidente Michel Temer. Com a nova regra, as empresas podem agora contratar os funcionários de forma descontinuada: apenas por alguns dias da semana ou até mesmo só por algumas horas. Enquanto os críticos defendem que o novo regime precariza o trabalho, a intenção, segundo o Governo, é incentivar a contratação de informais que vivem “de bicos”, possibilitando alguns direitos adicionais da CLT. Entre eles, férias e décimo terceiro salário proporcionais.
A modalidade defendida há tempos por alguns setores – como o de serviços e comércio, que contratam por demanda – ainda gera dúvidas entre os trabalhadores e até mesmo entre os principais defensores: os empresários. Eles ainda estão cautelosos e avaliam se esses contratos, que precisam respeitar o salário mínimo por hora (4,26 reais), são realmente vantajosos. Do lado dos trabalhadores, a modalidade também é rodeada de incertezas.
Sócio de um bar na Vila Mariana, o empresário Valter Sanches conta que chegou a oferecer a três garçons que fazem “bico” no local (durante o fim de semana) uma contratação pelo regime intermitente, mas recebeu de todos uma resposta negativa. “Eles não entendem os prós e contras desse regime. Acham melhor receber todo o dinheiro do que ter cerca de 8% do salário retido para o INSS, mesmo sabendo que teriam mais direitos. Como já são contratados formais em outro local não acham vantagem, mas eu espero conseguir contratar empregados nesse regime. Agora estamos todos ainda absorvendo as informações”, diz.
Trabalhador pode completar pagamento do INSS
A questão do benefício previdenciário desse tipo de contrato, no entanto, não é sempre garantida. No caso do trabalhador intermitente cujo o rendimento mensal ficar abaixo do salário mínimo (hoje no valor de 937 reais), ele precisará completar o pagamento do INSS por conta própria ou aquele mês não entrará na conta do tempo de contribuição para a aposentadoria. Esse funcionário terá que contribuir com 8% da diferença entre o salário recebido e o valor do salário mínimo. Por exemplo, na hipótese dele ter recebido 700 reais em um mês, ele terá que pagar 8% sobre a diferença (937-700= 237). Nesse caso, o trabalhador teria que desembolsar 18,96 reais. A regra foi definida pela Receita Federal, no fim de novembro, já que o texto sancionado por Temer não especificou qual deveria ser o procedimento adotado por esse grupo específico dos intermitentes.
Na avaliação de Valquíria Furlani, diretora jurídica do Sindilojas-SP, essa questão tem gerado bastante incerteza nos trabalhadores que cogitam aceitar o trabalho intermitente. “Já estava um ambiente de dúvidas, mas essa regra foi um complicador. Ele não é obrigado a contribuir, mas se não pagar não vai ter aquele mês computado no tempo de contribuição. É uma questão que precisa ser melhor estudada”, diz.
Furlani conta que o item da reforma trabalhista mais consultado pelos lojistas no Sindilojas tem sido disparado o do contrato intermitente. “Orientamos a ter cautela nessa modalidade por enquanto. O que percebemos que o lojista está se informando exatamente como é esse tipo de regime, mas agora no fim do ano ele continua optando por contratar os empregados temporários para os extras, já que está mais acostumado. Mudar para algo novo vai levar um tempo”, avalia. Ainda segundo ela, apenas as grandes empresas estão já apostando em anúncios de trabalho intermitente.
De fato, o dono da Riachuelo, Flávio Rocha, foi um dos primeiro empresários a anunciar que a marca começaria a aderir a nova legislação trabalhista e passaria a oferecer a modalidade de trabalho intermitente. A Magazine Luiza, uma das maiores varejistas brasileiras, também já possui anúncios de postos de trabalho intermitente. Em um dos importantes portais de vagas de emprego do país, a empresa oferece, por exemplo, uma posição de assistente de loja de acordo com o novo regime, oferecendo o salário e benefícios de acordo com as horas trabalhadas. Não especifica, no entanto, qual seria o valor pago. Procurada, a Magazine Luiza preferiu não comentar o tema nem informar quantas empregados já foram contratados nessa nova modalidade.
Na avaliação do presidente do Grupo Boticário, Artur Grynbaum, a reforma trabalhista e a criação de novos regimes de contratação, como o do trabalho intermitente, são positivas e ajudarão a empresa a criar mais postos de emprego. “O varejo tem seus momentos dinâmicos e seria muito bom adequar os quadros a isso. Possibilitará a criação de várias novas vagas na rede Boticário (…) Agora no Natal continuaremos com os temporários, porque ainda estamos em um processo de adesão”. Segundo Grynbaum, o novo modelo ainda será melhor analisado e conversado com os parceiros da rede.
O advogado Fabio Chong, sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados conta que já possui1 clientes de diferentes setores também perguntando sobre o regime para cobrir momentos de pico. “Eles estão fazendo contas, pensando se vale a pena, por exemplo, substituir as horas extras – que são mais caras – de funcionários, pela contratação de mais empregados via regime intermitente”, explica. Mas segundo ele, ainda é muito cedo para avaliar se esse tipo de regime irá funcionar. Dentro das regras do trabalho intermitente, está contemplado um aviso prévio indenizatório, correspondente a metade da média salarial do trabalhador, que será pago após o fim do contrato. “A questão é que essa média será baseada apenas nos meses que houve trabalho, o que para o lado das empresas pode ficar mais custoso. Ainda é preciso ver os detalhes das mudanças”, explica.
Para o advogado trabalhista Jorge Mansur, sócio do Vinhas e Redenschi Advogados, a nova modalidade poderia ter sido melhor regulamentada e discutida antes de entrar em vigor, seguindo o exemplo de alguns países que impuseram mais regras. “Na Itália, esse trabalho intermitente só serve para menores de 25 anos e maiores de 55, porque é a faixa etária que não consegue arrumar emprego. Já em Portugal, esse tipo de regime só é aplicado em empresas que tenham atividade descontínua”, explica o advogado.
No Reino Unido, por exemplo, a legislação do trabalho por hora ainda é mais aberta do que a aprovada no Brasil – o empregador pode avisar no mesmo dia se vai precisar do funcionário. Lá, a adesão maior ao tipo de contrato se deu especialmente depois da crise de 2008, quando com contingente com esse tipo de contrato dobrou. Cidades com forte setor de turismo, como Liverpool, 500.000 habitantes, são as que mais registram esse tipo de regime: em 2015, eles representavam mais da metade do que se oferece, sobretudo nos setores de restauração, lazer e serviços. No restante do país, o modelo é seguido por empresas de todo o tipo: McDonald’s, que tem 90% dos funcionários no regime, a empresa de remessas DHL, a rede de farmácias Boots.
Uma etapa ainda em andamento no Congresso
Desde o início da discussão sobre o novo regime o tema gerou polêmica. A reforma trabalhista foi inclusive aprovada com a promessa do Governo de alterar algumas regras da nova contratação dando mais segurança e direitos aos trabalhadores. As mudanças foram feitas através de uma medida provisória (MP) assinada pela presidente Michel Temer no meio de novembro. Agora, o Congresso tem até o dia 22 de fevereiro para aprovar ou não os ajustes promovidos. A MP, no entanto, já possui 967 emendas, e muitas delas pedindo alterações justamente no modelo de trabalho intermitente.
Quais as regras do contrato intermitente?
– O valor pago por cada hora de trabalho é negociado diretamente entre funcionário e empregador e não pode ser inferior ao salário mínimo (4,26 reais).
– Direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também são válidos para esse modelo de trabalho. Entre eles estão: férias e 13º salário proporcionais ao total de horas trabalhadas, um dia de descanso semanal remunerado jornada semanal de, no máximo, 44 hora. Não há mínimo de horas
– A empresa tem de convocar o trabalhador para prestar o serviço com, no mínimo, três dias de antecedência. Caso o empregado não responda não é cobrada multa.
– O trabalhador não possui vínculo de exclusividade com nenhuma empresa, podendo firmar contratos com várias.
– O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
– Haverá uma carência obrigatória de 18 meses para admitir ex-funcionário em contrato intermitente, contado da data da demissão do empregado, mas essa quarentena só valerá até o final de 2020.
– O contrato de trabalho intermitente, além de ser celebrado por escrito, será registrado na carteira de trabalho.
– O trabalhador intermitente também poderá parcelar férias em três períodos e que, em caso de extinção do contrato, terá acesso a 80% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
Fonte: El País