Sem qualquer mobilização do Congresso Nacional, a medida provisória que alterava pontos da reforma trabalhista caducou na última segunda-feira, 23. Com isso, volta a valer, por exemplo, o que a nova legislação determina para itens como o trabalho insalubre de grávidas e lactantes. A lei, que entrou em vigor em novembro, não impede que elas trabalhem sujeitas à insalubridade. Governistas dizem que o Palácio do Planalto estaria estudando ajustes, mas a percepção é de que isso deve ficar em segundo plano com a agenda eleitoral.
Fonte que acompanha o tema disse ao Estadão/Broadcast que a área jurídica do governo estuda se e como pode fazer eventual ajuste. O tema foi debatido em reunião do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, com assessores jurídicos e representantes do Congresso ontem à noite. Por enquanto, prevalece o entendimento de que é preciso um projeto de lei para alterar os pontos que já foram incorporados à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O texto que caducou ontem foi fruto de acordo político entre Executivo e Senado. Para aprovar a reforma mais rápido e sem alteração, o governo prometeu ajustar pontos reclamados por senadores, inclusive da base governista, em uma MP. Esses tópicos davam mais proteção ao trabalhador. A pressa do Planalto era para concentrar forças na tramitação da reforma da Previdência. A MP foi editada, mas empacou no Congresso.
O fiador do acordo para a reforma foi o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), que ontem lavou as mãos e culpou a Câmara pelo desfecho. “O compromisso do governo foi feito ao enviar a MP, mas, por disputas políticas, o projeto não tramitou na Câmara”, disse em nota. Segundo ele, o governo “analisa o que fará com a MP” e, ao prometer “fazer o que for necessário para que haja complementação da reforma”, não descarta decreto ou até nova MP. No Planalto, porém, a opção preferida é um projeto de lei.
A tramitação de qualquer iniciativa que requer aprovação do Congresso exige compromisso político dos parlamentares. E essa é uma hipótese que parece distante, pois o projeto teria de ser votado pelo mesmo parlamento que ignorou a MP. O relator da reforma na Câmara, Rogério Marinho (PSDB-RN), diz que “não há clima” para aprovar medida desse tipo no Congresso. Ele defende que as novas regras vigorem “em sua plenitude” e que a sociedade espere “um ou dois anos” para avaliar se é necessário ajustar pontos da lei.
Se não houver reação do Executivo ou Legislativo, a Justiça do Trabalho deve voltar a ganhar protagonismo no esclarecimento de trechos da nova lei que já são questionados no mundo jurídico e foram esclarecidos na MP que caducou. Um dos artigos deixava claro que a reforma se aplicava na integralidade a todos os contratos, novos ou antigos. Caso o Executivo e Legislativo não cheguem a um entendimento, especialistas dizem que a opinião da Justiça voltará a exercer papel importante.
“A reforma tentou diminuir a litigiosidade, mas acho que infelizmente o meio político cometeu um erro e o litígio pode voltar a crescer. Se trechos não forem esclarecidos por lei, a jurisprudência voltará a ditar o entendimento”, diz o ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, Flávio Sirangelo. Para ele, o cenário reforça o protagonismo do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que já estuda o tema e deve se posicionar sobre pontos da reforma.
Daniel Chen, mestre em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo, diz que trabalhadores contratados sob as regras estabelecidas pela MP têm, pela Constituição, direitos garantidos até o fim do contrato. Em março, foram contratados 4 mil empregados intermitentes e 6,8 mil com contrato parcial. Chen nota, porém, que a prevalência da regra pode não representar proteção. Para ele, patrões podem optar por demitir os contratados sob a MP para recontratar com a regra atual e, assim, evitar regimes jurídicos diferentes na mesma folha de pagamento. “É uma questão de segurança jurídica”.
Fonte: Estadão