Por Almir Pazzianotto Pinto
Os obstáculos superados pelo governo para aprovar a lei que libera a terceirização antecipam as barreiras asnáticas e ideológicas que dificultarão a reforma trabalhista. Aos opositores da modernização pouco importa que 13,5 milhões de cidadãos se encontrem desempregados e outros tantos sobrevivam com ocupações temporárias e do comércio ambulante. A crise é tão profunda que o trabalho por conta própria deixou de ser opção. Em 2016 o Brasil perdeu 1,4 milhão de autônomos, assim chamados todos os que ganham a vida como pessoa física.
A Lei n.º 13.429/17 demonstra como a falta de objetividade gera consequências negativas. Basta observar que o contrato civil de prestação de serviços, vulgarmente denominado terceirização, foi incorporado à Lei n.º 6.019/74, que disciplina o trabalho temporário. A trintenária discussão cingia-se à diferença entre atividade-fim e atividade-meio, causada pela má redação do inciso III da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (pela qual fui, também, responsável). A rigor, bastaria um único artigo de lei que reconhecesse a terceirização de serviços como negócio legítimo, independentemente da natureza e da finalidade. Em outras palavras, o velho problema resolver-se-ia corrigindo o inciso III.
A prestação de serviço é apenas uma das modalidades de contratos disciplinados pelo Código Civil. O artigo 594 é límpido e incisivo: “Toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição”. Os requisitos para organização de empresa encontram-se na legislação civil ou comum. Não concernem à legislação trabalhista. O avanço trazido pela Lei n.º 13.429/17 destina-se a afastar a insegurança jurídica provocada pela funesta separação entre atividade-fim e atividade-meio, criada pela Justiça do Trabalho, mas ignorada na legislação empresarial e jamais esclarecida pela jurisprudência.
Os contratantes de serviços terceirizados não devem, porém, sentir-se à vontade e protegidos contra riscos e ciladas. Rigorosas cautelas devem ser adotadas para evitar que trabalhadores terceirizados sejam postos em regime de subordinação e dependência direta, que possa caracterizar relação de emprego. Lembrem-se das dolorosas experiências com as cooperativas de trabalho.
A lei da terceirização é um alento, mas não basta para afastar o fenômeno do passivo oculto, pesadelo de todos os empregadores, sejam empresas, associações, entidades culturais, profissionais liberais ou instituições beneficentes. Cada empregado traz na mochila alguma pretensão ignorada e futura, que o estimula a ajuizar ação trabalhista sem riscos, sem custos, sem motivos. A quitação, passada após a extinção do contrato de trabalho de conformidade com as exigências legais, valerá ou não, segundo a opinião do juiz da causa.
O panorama de total insegurança jurídica tornou-se motor do desemprego. A globalização, a invasão de produtos chineses, a informatização e o excedente mundial de população contribuem para o incessante aumento da quantidade de trabalhadores excluídos do mercado no Brasil e no mundo, mas são fatores independentes do nosso controle e vontade. Resta-nos cuidar daquilo que se encaixa dentro do nosso raio de ação, e aqui se inserem a legislação do trabalho, a estrutura sindical e o processo judiciário do trabalho.
Para conferir atualidade à legislação trabalhista é impossível contar com a colaboração do Partido dos Trabalhadores (PT) e das legendas que lhe dão suporte, como o PDT, o PC do B e o PSOL. Atraso, interesses obscuros e rancor ideológico são empecilhos à aceitação da verdade. Recente passagem pela Comissão Especial da Reforma Trabalhista da Câmara dos Deputados, onde participei de debates sobre essa necessária mudança, revelou-me que parlamentares da oposição petista insistem em ignorar fatos corriqueiros e exibem mentes impermeabilizadas. Causou-me decepção observar como deputados, advogados e dirigentes sindicais podem ser indiferentes aos problemas que contaminam as relações individuais e coletivas de trabalho, para recusarem a criação de novos instrumentos destinados à conciliação de interesses divergentes, sem a intervenção obrigatória, onerosa e morosa do Poder Judiciário. Simples questão sobre a validade das negociações, resolvida pela Constituição no seu artigo 7.º, deu ensejo a intervenções coléricas e intermináveis. O mesmo ocorreu no debate sobre a existência de 19 mil sindicatos, mantidos, na maioria, pelo imposto sindical.
Em março de 1985, antes da data marcada para a posse de Tancredo Neves na Presidência da República, Jair Meneguelli, presidente da CUT e fundador do PT, já lhe declarava guerra. Quando José Sarney, em meio a grave crise, convidou as centrais e as confederações de trabalhadores para discutirem medidas de combate à inflação e ao desemprego, a CUT e o PT fugiram ao diálogo. Os esforços desenvolvidos em 1985 e 1986 no sentido da celebração de pacto social foram minados pelos dirigentes da central sindical e do partido, responsáveis pela deflagração de milhares de greves.
O presidente Michel Temer não deve esperar conduta responsável dos petistas. Deles virão acusações e discursos palanqueiros, como alguns que ouvi na Câmara dos Deputados. Para o PT e aliados, a corrupção, a recessão, o endividamento do Estado, o declínio da indústria, do comércio, dos transportes, do crédito e o pesadelo vivido por 25 milhões de desempregados e subempregados não devem ser debitados aos 13 anos de governo petista.
Lei desacreditada é lei inútil. O capital, por sua vez, é móvel e covarde. Não permanece onde é maltratado. Goste ou não o PT, a reforma trabalhista será vital para a rápida recuperação da economia e geração de empregos.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Fonte: O Estado de São Paulo