Depois de estudar por anos alterações para melhorar o desempenho na produção, a fabricante de calçados infantis Kidy conseguiu tirar do papel o plano de reduzir o horário de almoço dos funcionários para que eles pudessem terminar antes o expediente e voltar mais cedo para casa. Embora a ideia já fosse apoiada pelos empregados, só se tornou realidade com a entrada em vigor, em novembro do ano passado, da reforma trabalhista, que afastou o receio do grupo de uma nova frente de processos na Justiça. “Quando a gente faz um horário diferenciado que beneficia o trabalhador, a produtividade aumenta”, afirma o sócio-fundador da companhia, Sérgio Gracia. “O reflexo é imediato.” A revisão da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) tinha como objetivos principais dar flexibilidade aos contratos, reduzir a cultura de embate entre as partes e ampliar a segurança jurídica. Para a calçadista, que observou uma redução de cerca de 60% nas novas demandas judiciais após a implementação do texto, um novo ambiente de negócios começa a se desenhar no País.
A fabricante conta hoje com cerca de 2.000 funcionários, distribuídos em três unidades produtivas e espera aprofundar as mudanças mais adiante para melhorar a competitividade frente aos concorrentes asiáticos. Uma das alterações que entraram no radar agora é a possibilidade de diminuir a equipe responsável por lidar com os processos trabalhistas, diante da expectativa de que o número de ações se manterá num nível menor do que o observado até então. “Percebemos que os advogados trabalhistas ficaram com muito mais medo de entrar com ações contra as empresas”, afirma Gracia. A maior cautela é consequência de uma regra estabelecida na reforma que obriga a parte perdedora a arcar com os custos do processo. Antes, o risco do ônus financeiro ao autor da ação era quase inexistente. Os dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram uma nova realidade nas disputas da área. De dezembro de 2017 a maio deste ano, o volume de novas ações caiu 40% em relação ao mesmo período anterior, para 774.600 causas.
Para os especialistas da área, esse novo patamar veio para ficar. A indicação é de que, apesar das diversas dúvidas que ainda pairam sobre o texto, a reforma “pegou”. “As novas regras obrigam um autoquestionamento por parte dos advogados se a causa realmente faz sentido”, afirma Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio do Bichara Advogados e doutor em Direito do Trabalho. “Com esses fatores na balança, diminuiu a margem para aventuras.” Esse novo risco ficou evidente num dos primeiros processos julgados após a entrada em vigor da reforma. Um juiz condenou um trabalhador a pagar R$ 8,5 mil de custas numa ação em que pedia R$ 50 mil de indenização por ter sido assaltado a caminho do serviço, além de horas extras que não foram comprovadas. Entre os fatores que vêm contribuindo para a avaliação mais realista dos advogados da área, estão ainda regras mais rígidas para obtenção do benefício da Justiça gratuita e o risco de que o trabalhador tenha de arcar ainda com o custo da perícia em caso de decisão desfavorável.
Da redução dos processos também é possível inferir que os dispositivos da reforma para acabar com dúvidas históricas estão surtindo efeito, como a regulamentação mais clara para o home office e a isenção de responsabilidade da empresa sobre o deslocamento ao trabalho. A possibilidade da rescisão por mútuo acordo, por exemplo, acabou com uma situação comum até então, de funcionários que faziam de tudo para serem dispensados, mas eram mantidos nos quadros da empresa para evitar os custos da demissão, com prejuízo para ambas as partes. Por vezes, as divergências nesses casos costumavam chegar à Justiça.
Muitos temas introduzidos pela reforma, no entanto, ainda são vistos com incerteza. Eles devem ficar mais claros na medida em que as próprias ações forem sendo julgadas e começarem a chegar às instâncias superiores. Somente no Supremo Tribunal Federal (STF), há ao menos 20 ações contestando o texto. Falta ainda uma mudança de cultura. “Os benefícios da lei talvez se tornem mais visíveis quando as duas partes perceberem que o caminho não é o enfrentamento”, afirma Gisela Freire, sócia do Cescon Barrieu. Ela, porém, faz uma ressalva: “Os empresários têm de entender que a reforma não foi editada para lucrar em cima da força de trabalho.” Essa visão fica clara na avaliação de Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). “Não há o que se contestar numa ação reclamatória que se justifique”, afirma o dirigente, ao dar ênfase ao fim do que ele também considera excessivo. “Havia casos de ações que eram preenchidas por advogados com ‘copia e cola’, pedidos descabidos que acabavam sendo acolhidos.”
O ambiente de litígio que prevalecia até então ainda se reflete no balanço das empresas. As provisões para as causas trabalhistas somam hoje cerca de R$ 26 bilhões num conjunto de pouco mais de 500 companhias de capital aberto, segundo dados da Economatica. Vale lembrar que essa conta só inclui os processos com chances de perdas. A previsão daqui para frente é de uma redução tanto no passivo, quanto nos dispêndios feitos atualmente para gerir as reclamações, com advogados e o acompanhamento dos processos. “A expectativa é que haja a redução de custos com advogados, acompanhando a tendência de diminuição no número de ações”, afirma Victor Almeida, vice-presidente de Operações da Pacaembu Construtora. “Isso gerará um ganho de produtividade a todos.” A empresa tem 400 funcionários diretos e gera mais 4.000 vagas nos prestadores de serviço presentes em seus canteiros de obras. Um estudo chegou a ser feito pela construtora para implementar mudanças nas relações de trabalho, como a utilização de bancos de horas, mas não foi adotado por temor de consequências jurídicas.
Na conta dos especialistas, será necessária ao menos mais um ano de adaptação às mudanças da reforma trabalhista. A lei aprovada no Congresso modificou mais de 100 itens das regras vigentes e sofreu resistência de sindicatos e trabalhadores. Esse processo de absorção do novo marco pode eventualmente se estender por mais tempo ou até mesmo ser interrompido a depender do resultado das urnas neste ano. Entre os candidatos à Presidência da República, há quem defenda a revogação por completo das alterações, como o PT, e propostas para revisar alguns artigos específicos, como defendem Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede). “Seria um retrocesso porque tivemos um avanço grande, que privilegia a atividade empreendedora”, afirma Klein, da Abicalçados. “Só a redução das ações já foi suficiente para validar todo o esforço na implementação da lei, pois havia uma enorme insegurança jurídica”.
A reforma dá as caras
Seis meses após a implementação da nova lei trabalhista, número de ações na Justiça cai 40% e sinaliza um ambiente de menos conflito entre empresas e funcionários
Depois de estudar por anos alterações para melhorar o desempenho na produção, a fabricante de calçados infantis Kidy conseguiu tirar do papel o plano de reduzir o horário de almoço dos funcionários para que eles pudessem terminar antes o expediente e voltar mais cedo para casa. Embora a ideia já fosse apoiada pelos empregados, só se tornou realidade com a entrada em vigor, em novembro do ano passado, da reforma trabalhista, que afastou o receio do grupo de uma nova frente de processos na Justiça. “Quando a gente faz um horário diferenciado que beneficia o trabalhador, a produtividade aumenta”, afirma o sócio-fundador da companhia, Sérgio Gracia. “O reflexo é imediato.” A revisão da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) tinha como objetivos principais dar flexibilidade aos contratos, reduzir a cultura de embate entre as partes e ampliar a segurança jurídica. Para a calçadista, que observou uma redução de cerca de 60% nas novas demandas judiciais após a implementação do texto, um novo ambiente de negócios começa a se desenhar no País.
A fabricante conta hoje com cerca de 2.000 funcionários, distribuídos em três unidades produtivas e espera aprofundar as mudanças mais adiante para melhorar a competitividade frente aos concorrentes asiáticos. Uma das alterações que entraram no radar agora é a possibilidade de diminuir a equipe responsável por lidar com os processos trabalhistas, diante da expectativa de que o número de ações se manterá num nível menor do que o observado até então. “Percebemos que os advogados trabalhistas ficaram com muito mais medo de entrar com ações contra as empresas”, afirma Gracia. A maior cautela é consequência de uma regra estabelecida na reforma que obriga a parte perdedora a arcar com os custos do processo. Antes, o risco do ônus financeiro ao autor da ação era quase inexistente. Os dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) mostram uma nova realidade nas disputas da área. De dezembro de 2017 a maio deste ano, o volume de novas ações caiu 40% em relação ao mesmo período anterior, para 774.600 causas.
Para os especialistas da área, esse novo patamar veio para ficar. A indicação é de que, apesar das diversas dúvidas que ainda pairam sobre o texto, a reforma “pegou”. “As novas regras obrigam um autoquestionamento por parte dos advogados se a causa realmente faz sentido”, afirma Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio do Bichara Advogados e doutor em Direito do Trabalho. “Com esses fatores na balança, diminuiu a margem para aventuras.” Esse novo risco ficou evidente num dos primeiros processos julgados após a entrada em vigor da reforma. Um juiz condenou um trabalhador a pagar R$ 8,5 mil de custas numa ação em que pedia R$ 50 mil de indenização por ter sido assaltado a caminho do serviço, além de horas extras que não foram comprovadas. Entre os fatores que vêm contribuindo para a avaliação mais realista dos advogados da área, estão ainda regras mais rígidas para obtenção do benefício da Justiça gratuita e o risco de que o trabalhador tenha de arcar ainda com o custo da perícia em caso de decisão desfavorável.
Da redução dos processos também é possível inferir que os dispositivos da reforma para acabar com dúvidas históricas estão surtindo efeito, como a regulamentação mais clara para o home office e a isenção de responsabilidade da empresa sobre o deslocamento ao trabalho. A possibilidade da rescisão por mútuo acordo, por exemplo, acabou com uma situação comum até então, de funcionários que faziam de tudo para serem dispensados, mas eram mantidos nos quadros da empresa para evitar os custos da demissão, com prejuízo para ambas as partes. Por vezes, as divergências nesses casos costumavam chegar à Justiça.
Muitos temas introduzidos pela reforma, no entanto, ainda são vistos com incerteza. Eles devem ficar mais claros na medida em que as próprias ações forem sendo julgadas e começarem a chegar às instâncias superiores. Somente no Supremo Tribunal Federal (STF), há ao menos 20 ações contestando o texto. Falta ainda uma mudança de cultura. “Os benefícios da lei talvez se tornem mais visíveis quando as duas partes perceberem que o caminho não é o enfrentamento”, afirma Gisela Freire, sócia do Cescon Barrieu. Ela, porém, faz uma ressalva: “Os empresários têm de entender que a reforma não foi editada para lucrar em cima da força de trabalho.” Essa visão fica clara na avaliação de Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). “Não há o que se contestar numa ação reclamatória que se justifique”, afirma o dirigente, ao dar ênfase ao fim do que ele também considera excessivo. “Havia casos de ações que eram preenchidas por advogados com ‘copia e cola’, pedidos descabidos que acabavam sendo acolhidos.”
O ambiente de litígio que prevalecia até então ainda se reflete no balanço das empresas. As provisões para as causas trabalhistas somam hoje cerca de R$ 26 bilhões num conjunto de pouco mais de 500 companhias de capital aberto, segundo dados da Economatica. Vale lembrar que essa conta só inclui os processos com chances de perdas. A previsão daqui para frente é de uma redução tanto no passivo, quanto nos dispêndios feitos atualmente para gerir as reclamações, com advogados e o acompanhamento dos processos. “A expectativa é que haja a redução de custos com advogados, acompanhando a tendência de diminuição no número de ações”, afirma Victor Almeida, vice-presidente de Operações da Pacaembu Construtora. “Isso gerará um ganho de produtividade a todos.” A empresa tem 400 funcionários diretos e gera mais 4.000 vagas nos prestadores de serviço presentes em seus canteiros de obras. Um estudo chegou a ser feito pela construtora para implementar mudanças nas relações de trabalho, como a utilização de bancos de horas, mas não foi adotado por temor de consequências jurídicas.
Na conta dos especialistas, será necessária ao menos mais um ano de adaptação às mudanças da reforma trabalhista. A lei aprovada no Congresso modificou mais de 100 itens das regras vigentes e sofreu resistência de sindicatos e trabalhadores. Esse processo de absorção do novo marco pode eventualmente se estender por mais tempo ou até mesmo ser interrompido a depender do resultado das urnas neste ano. Entre os candidatos à Presidência da República, há quem defenda a revogação por completo das alterações, como o PT, e propostas para revisar alguns artigos específicos, como defendem Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede). “Seria um retrocesso porque tivemos um avanço grande, que privilegia a atividade empreendedora”, afirma Klein, da Abicalçados. “Só a redução das ações já foi suficiente para validar todo o esforço na implementação da lei, pois havia uma enorme insegurança jurídica.”
Fonte: Isto É Dinheiro