Por Guilherme Russo
Diante da grande polêmica em torno da nova lei de terceirização e trabalho temporário (Lei 13.429/2017), em especial no que se refere à terceirização[1], a qual vem recebendo diversas interpretações equivocadas, mostra-se necessário entender o que realmente mudou e quais serão os efeitos sobre as relações de trabalho.
Quando ocorre a terceirização?
Do ponto de vista jurídico, a terceirização ocorre quando uma empresa prestadora de serviços é contratada por outra empresa (tomadora dos serviços) para realizar determinados serviços.
Numa terceirização regular, a empresa prestadora de serviços emprega, dirige e remunera os trabalhadores que serão destacados para realizar tais serviços. Não há, portanto, vínculo empregatício entre a empresa tomadora dos serviços e os trabalhadores.E, como não há vínculo empregatício entre a empresa tomadora e os trabalhadores, também não devem estar presentes nessa relação os requisitos de uma relação de emprego, como a subordinação, por exemplo. Não é a empresa tomadora que faz a gestão dos trabalhadores. Isso deve ser feito por representantes da empregadora, ou seja, da empresa prestadora dos serviços.
Caso os requisitos da relação de emprego estejam presentes entre a empresa tomadora e os trabalhadores, a terceirização é irregular. A tomadora dos serviços poderá ser autuada e multada, além de ter que registrar e remunerar os trabalhadores.
Como era a legislação até a Lei 13.429 de 2017?
Não existia legislação. O que regulava o tema no país era um entendimento da Justiça do Trabalho, consagrado na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, a qual estabelecia que a terceirização de atividades-meio da empresa tomadora dos serviços era legal, mas a terceirização de atividades-fim era ilegal.
A Súmula 331, todavia, não definia como deveria ser realizada essa diferenciação de atividades. Cabia à Justiça do Trabalho, na análise de cada caso, realizá-la, o que trazia uma enorme insegurança jurídica.
Além da insegurança jurídica, o fato é que essa abstrata diferenciação de tipo de atividade era uma criação brasileira. Não há notícia que ela exista em outros países. Um estudo realizado em 2016 pela Deloitte, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que analisou a legislação de 17 países, constatou que em nenhum deles há qualquer tipo diferenciação entre atividades que podem ou não ser terceirizadas[2].
Como ficou a terceirização com a Lei 13.429 de 2017?
A terceirização de qualquer serviço da empresa tomadora passa a ser legal. Basta que ela terceirize serviços determinados e específicos e que a empresa prestadora de serviços utilize os trabalhadores contratados nesses serviços terceirizados. Caso os trabalhadores atuem em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato de prestação de serviços, a terceirização será irregular.
O que mais mudou com a Lei 13.429 de 2017?
Além de permitir a terceirização de qualquer serviço da empresa, a nova Lei trouxe, basicamente, duas inovações:
a) fica expressamente permitida a chamada “quarteirização” de serviços, ou seja, a empresa contratada para prestar os serviços pode subcontratar outras empresas para prestá-lo. Essa prática já é bastante comum no dia a dia das empresas, que contratam gestoras de terceiros, ou seja, empresas que são responsáveis por gerenciar todas as atividades terceirizadas da tomadora, podendo contratar, fiscalizar e cobrar as empresas subcontratadas para efetivamente prestarem os serviços.
b) foram criadas algumas regras mínimas para que as empresas possam prestar serviços terceirizados, entre elas a necessidade de ter capital social compatível com o número de empregados, bem como foi instituída a obrigação de a empresa tomadora dos serviços garantir aos trabalhadores das empresas prestadoras de serviços as condições de segurança, higiene e salubridade.
E se a empresa prestadora de serviços não pagar os seus trabalhadores, a empresa tomadora deve pagar?
Sim! E isso não muda com a nova lei. A chamada responsabilidade subsidiária do tomador já estava prevista na Súmula 331 do TST e a nova Lei segue a mesma linha: “a empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços”.
Uma empresa pode “terceirizar” os trabalhadores, ou seja, pode manter os trabalhadores sob sua direção/subordinação, sem registrá-los e sem remunerá-los, “terceirizando” essas obrigações para uma outra empresa?
Não pode, salvo nas hipóteses de trabalho temporário[3]. A chamada intermediação de mão-de-obra continua sendo ilegal. A Súmula 331 do TST continua valendo no que se refere a esse aspecto: “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)”.
Considerações finais
Não existem outras inovações trazidas pela Lei 13.429 de 2017, no que se refere à terceirização, além daquelas expostas acima. Como visto, a nova lei não permite a intermediação de mão-de-obra, tampouco faz com que os trabalhadores tenham um número menor de garantias com a chamada “ampliação da terceirização”.
A regulação do tema e a criação de novas obrigações às empresas tomadoras e prestadoras dos serviços — ainda que de forma tímida — trarão maior proteção aos trabalhadores e ajudarão a assegurar que a terceirização seja utilizada da forma correta. A nova lei de terceirização é mais benéfica ao país e aos trabalhadores se comparada com a realidade até então existente (Súmula 331 do TST).
[1] Em relação ao trabalho temporário, a principal inovação trazida pela nova Lei diz respeito à possibilidade de ampliação do prazo do contrato temporário: agora ele pode ser de 180 (cento e oitenta) dias, prorrogáveis por mais 90 (noventa) dias, sendo que, ao final desse prazo, o trabalhador somente poderá ser contratado para prestar serviços à mesma tomadora após 90 (noventa) dias.
[2] “Terceirização comparada: Brasil e outros países”; Em: ; página consultada em 29 de março de 2017.
[3] Sendo que o trabalho temporário somente pode ser contratado “para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços” (artigo 2º da Lei 13.429 de 2017)
Guilherme Russo é gerente jurídico da Vivante.
Fonte: Consultor Jurídico